Monday, April 12, 2010

O Passo


Foi em um dia chuvoso de janeiro, próximo à pequena vila de Dunche, no norte do Nepal, junto à fronteira com o Tibet. A formação montanhosa Langtang (parte do complexo do Himalaia), se estendia a oeste, seguindo o vale do pequeno rio homônimo que corria abaixo de nós (na verdade o rio não era assim tão pequeno como pudemos observar depois, mas lá de cima parecia mesmo um fiozinho de água). O frio já começava a incomodar, e ainda tínhamos umas duas horas de caminhada até o acampamento, junto ao passo de Laurebina, onde passaríamos a noite a fim de atravessar à outra face das Langtangs na manha seguinte.

Nosso guia, Nabba, um nepali baixinho com pele cor de chocolate, não parava de fumar haxixe e de cantar uma canção que parecia completar o cenário. O chuvisco se transformou em neve à medida que subíamos. Começamos a ver aqui e ali manchas de céu azul entre as nuvens, estávamos ficando mais altos que elas e para minha sorte, a altitude não fazia multo efeito em meu organismo até então, mesmo eu não tendo o que pode se chamar de "físico atlético".

Continuamos a subir por mais algum tempo (quem costuma fazer trilha, sabe a dificuldade em estimar o tempo, principalmente em um lugar exótico onde a mente vagueia pela paisagem, e você não sabe se acabou de andar quinze minutos ou uma hora) quando uma neblina bastante cerrada tomou conta de tudo novamente, não conseguíamos ver dez metros a frente de nossos olhos, o frio ficou mais intenso e cristais de gelo se formavam sobre minha mochila. Já estava ficando realmente cansado, quando o Nabba levantou seu pedaço de pau que usava como cajado, apontando para um vulto pouco acima de nós; era a pequena estalagem onde iríamos passar a noite. "Home for tonight", ele disse. Era uma construção bastante espartana, feita de lascas de pedras e madeira. Dentro, apenas um forno (que rapidamente foi ligado) e tapetes de palha. Acima de nós, apenas um pequeno platô nevado onde havia um pequeno templo budista, cercado de pedaços de lenços coloridos balançando ao vento (que segundo os budistas servem para levar as orações para todo a mundo). Depois de retornar à cabana e virar, inutilmente, minha mochila do avesso em busca de uma barra de chocolate perdida, já meio tonto devido ao cansaço e ao efeito dos mais de 5000 metros de altitude, dei um pequeno cochilo.

Acordei com o Nabba, me cutucando, com um sorriso no rosto me apontando para fora: "The sunset...veeeeery beautiful". Levantei-me ainda um pouco tonto e sai de "casa", então vi: Tudo estava cor de laranja, com a neve refletindo para todas as direções os últimos raios de sol daquele dia 22 de janeiro. As nuvens estavam exatamente ao nível do chão, tão densas que parecia possível caminhar sobre elas ate as montanhas mais próximas. Uma lua cheia incrivelmente grande e brilhante surgia um pouco à direita. O frio, que a essa altura já beirava os 10 graus negativos, não mais incomodava. Tudo parecia perfeito, como tirado de um sonho... o céu estava incrivelmente azul, e algumas estrelas já brilhavam a leste. Fiquei em pé parado durante alguns minutos observando tudo aquilo, com um sorriso meio bobo em baixo do meu capuz de lã.

Então lembrei do Rubem braga em sua mais linda cronica: A viajante.

"Eu, que sempre andei no rumo de minhas venetas, e tantas vezes troquei o sossego de uma casa pelo assanhamento triste dos ventos da vagabundagem, eu não direi que fique.
Em minhas andanças, eu quase nunca soube se estava fugindo de alguma coisa ou caçando outra. Você talvez esteja fugindo de si mesma, e a si mesma caçando; nesta brincadeira boba passamos todos, os inquietos, a maior parte da vida — e às vezes reparamos que é ela que se vai, está sempre indo, e nós (às vezes) estamos apenas quietos, vazios, parados, ficando. Eu, que sempre andei no rumo de minhas venetas, e tantas vezes troquei o sossego de uma casa pelo assanhamento triste dos ventos da vagabundagem, eu não direi que fique. Em minhas andanças, eu quase nunca soube se estava fugindo de alguma coisa ou caçando outra. Você talvez esteja fugindo de si mesma, e a si mesma caçando; nesta brincadeira boba passamos todos, os inquietos, a maior parte da vida — e às vezes reparamos que é ela que se vai, está sempre indo, e nós (às vezes) estamos apenas quietos, vazios, parados, ficando."

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