Thursday, May 07, 2015

Medo de Inacio

Parei a frente do precipício e realmente pensei em pular! E garanto: nada teve a ver com um impulso suicida, muito pelo contrário. Por alguns instantes, toda a minha racionalidade foi dominada por uma absoluta certeza de que poderia voar. Então, após décimos de segundo, a obvia e fria verdade mostrou-se, novamente, de maneira inequívoca. Então veio o medo! O medo de que, mesmo que por ínfimos instantes, havia perdido o contato com a realidade e isto poderia ter tido conseqüências trágicas. Então a altura tornou-se insuportável. Como se meu cérebro tivesse criado uma defesa contra minhas maluquices e me protegendo (se protegendo?) e me mantendo longe do perigo. Então, percebi que não tinha medo de altura, tinha medo de mim mesmo e, então, o Morro do Pai Inácio na Chapada da Diamantina tornou-se belo e inofensivo novamente.



Achei, que tinha uma boa história para contar: O medo de altura, o confronto, a compreensão, a Chapada. Guardei estas impressões por alguns anos esperando uma boa hora para escrevê-la, mas de alguma maneira, a achava obvia demais! Sim: nossos medos são reflexos de nossa própria humanidade. Ora, isto parece sido tirado de um texto raso de auto-ajuda. Quem iria se importar? Mas então, novamente, me deparei com o livro de Stig Dagerman: “A Ilha dos Condenados”:

Uma vez que estamos sós no mundo, ou pelo menos não tão sós como gostaríamos de estar, temos o dever de dominar as nossas explosões, de fazer com que as explosões inevitáveis da nossa maldade ou da nossa bondade paradoxais vão aproximativamente ao sentido do fim ... É graças a essa lucidez que funciona a nossa consciência, que não passa afinal de uma transcrição idílica do nosso medo, porque o medo lembra-nos infatigavelmente a direção justa, e se sufocarmos o nosso medo, perderemos a possibilidade de nos orientarmos numa direção determinada e daremos aqui e ali lugar a uma série de estúpidas explosões privadas, causando os piores estragos para um mínimo de resultados. É por isso que devemos conservar dentro de nós o nosso medo como um porto sempre livre de gelos que nos ajude a passar o Inverno, e também como uma corrente submarina vibrando por baixo da superfície gelada dos rios.
Puxa vida, ao ler isso, aplacou-me dois sentimentos (aparentemente) contraditórios: sentimos, todos, as mesmas coisas, das mesmas maneiras, com as mesmas intensidades e de modo muito parecido! Por mais que tentemos valorizar nossa individualidade e nossa identidade, achando que nossos sentimentos são só nossos, na verdade, a toda a hora, o que você pensa, sente, imagina é compartilhado com mais 6 bilhões de pessoas vivas e sabe-se lá quantas mais que já se foram. Claro! Somos todos macacos assustados! E isto leva a outra constatação: O que você imagina já foi escrito e descrito com brilhantismo por alguém! O amor que você sente é o mesmo de Shakespeare e o seu medo é o mesmo de Dagerman. Por isso, acho que viajar é tão importante! É uma maneira única de confrontar o que já conhecemos: A Turquia de Phamuk a Irlanda de Beckett ou a Bahia de Jorge Amado na verdade também é a sua, basta ir até ali e ver!

Voltei ao Morro do Pai Inácio, na Chapada da Diamantina, esperando que, de algum modo, pudesse sentir algo parecido com aquela distante tarde 15 anos atrás. Mas não! Simplesmente sentei em uma pedra e admirei o Morro do Camelo, Morrão, a espetacular serra do Sincorá e os infinitos vales serpenteando o que acredito ser a paisagem mais bonita do Brasil. E então me veio um confortável sentimento de sossego (amplificado, ainda, pelo obvio fato de estar na Bahia) e, acreditem, tudo pareceu ainda mais bonito!


Dedicado a todos que estiveram la em cima comigo e compartilharam a vista do infinito!