Monday, April 12, 2010

Desertos

Antoine de Saint-Exupery , um dia disse que o que torna o deserto um lugar lindo e que, em algum lugar ele sempre esconde um poço. E uma verdade, mas se os oásis são os locais mais aprazíveis de um deserto, a aridez e a desolação de seu coração é o melhor local para experiências, diríamos... "interiores". Não à toa, a história e a estória, carregam vários exemplos de revelações espirituais e filosóficas ambientadas em desertos. Na mitologia Judaico-Cristã, por exemplo, Deus, parece ter uma predileção toda especial por se manifestar aos profetas escolhidos em desertos, talvez, não apenas pelo contexto geográfico das narrativas bíblicas, mas, também, pela metáfora que tais locais carregam: entre o vasto e misterioso e o sagrado e o profético.

Foi no deserto de Nazaré que Jesus enfrentou o diabo, cara a cara; no deserto de Sur que as amargas águas de Mara se transformaram em uma fonte potável cheia de vida. Foi no deserto de Sim que pela primeira vez o Maná e as Cordonizes caíram do céu como provisão e sinal do cuidado de Deus para com seu povo e no Sinai que Moises conduziu o povo de Israel.

Os desertos, também aparecem como personagens principais em diversas obras de todos os grandes escritores, exploradores e poetas, em toda a história da humanidade, sempre carregando um fator imaginário. Homero, Marco Pólo, Shakespeare, Camus, Dante e muitos outros olharam para o Sinai, Sahara, Gobi, Kalahari como locais únicos e, quase sempre, solitários. Parece mesmo que a metáfora do espelho da alma sempre retorna; o lugar em que encontramos nos mesmos e tudo o que isso representa, o último divã.

Mas, pensando bem, dos desertos que conheço, creio que não conseguiria, com uma exceção, encontrar um aspecto comum entre todos eles. Mesmo o conceito de deserto, pode ser extremamente controverso: O que é um deserto? Estamos falando de seres vivos? Clima? Água? Paisagens? Metáforas? O Atacama, com suas paisagens pedregosas e montanhosas, de um tom vermelho e amarelo. O Sahara com suas gigantescas dunas. A Patagônia, ampla e branca e poeirenta. A quente e desolada Arábia. O rubro e místico Outback australiano. O que é, afinal, um deserto?

- “A água”, alguém argumentará. Ou a falta dela, para ser mais exato.
Na verdade, grande parte dos desertos do mundo tem abundancia de água, porém, em concentrações irregulares e acumulada em rochas abaixo da superfície. As vezes, esta água, por condições geológicas ou geomorfológicas vem a superfície, formando os oásis isolados. O problema não á a falta de água, mas a falta de chuva. A chuva é democrática; distribui água por uma grande área. Mas mesmo este conceito é questionável.

Quem atravessar a o sudoeste africano passará por uma das maiores estradas do continente: a “Trans Kalahari Highway” que liga Windhoek, capital da Namíbia a Pretória, na África do Sul. Como o nome diz, ela corta, de norte a sul o Grande deserto do Kalahari, um pedaço de terra do tamanho da França que abriga uma biodiversidade estonteante. Mesmo sendo extremamente árido, durante os meses de dezembro e janeiro, o Kalahari oferece uma das visões mais verdes da áfrica. Passei 10 dias por lá... 5 dias de chuva!

Mas existe, sim, em minha opinião, um aspecto comum e recorrente a todos os desertos, algo que poderia, embora com dificuldades e resistência da comunidade geográfica mundial, conceituá-lo: O céu.

Todos os desertos tem céus mágicos, mesmo que completamente azuis. As variações de tons, a medida que o dia passa, as nuvens escassas e violetas e por fim, o magnífica visão das estrelas durante a noite são elementos únicos dos desertos... de todos eles. Em um de meus livros –e filmes- prediletos, "O céu que nos protege – The sheltering skies", Paul Bowles nos intriga com diversas relações amorosas e sexuais entre personagens, no mínimo peculiares, e o dilacerante Sahaara, que no final das contas, é quem arrebata os corações. Mas, embora a magnificência do deserto seja clara, ele ainda é subjulgado por seu céu, como o título sugere. Bowles sintetiza: “O céu aqui é tão estranho que é quase sólido, como se nos protegesse do resto. E o que é o resto? Não é nada, só a escuridão da noite. A noite absoluta."

Lembro que, em uma noite fria, caminhava a esmo em San Pedro de Atacama, após um vinho e sentei em uma pracinha para descansar um pouco, quando todas as luzes da cidade se apagaram; um blecaute. Apos alguns segundos de escuridão, enquanto meus olhos acostumavam-se olhei para cima e vi centenas, milhares, milhões, zilhões de estrelas! Eram tantas, e tão brilhantes, que pareciam emitir um som, um zumbido grave, como uma lâmpada de neon! Perdi o fôlego por alguns segundos, não o recuperei completamente até hoje.

A visão de um céu no deserto, talvez seja, também, a essência dos aspectos pessoais e místicos que os desertos carreguem, talvez não seja a proximidade da morte, ou o silencio ou a sua vastidão mas sim a grandiosa beleza do azul turquesa que nos fazem pensar, e sentir nossa insignificância, seja isso divino ou poético.

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