Saturday, April 12, 2014

Um brinde aos irlandeses


Seria um bocado mais fácil se James Joyce tivesse nascido em Bangu ao invés de Dublin e, assim, em um ensolarado 16 de junho de 1904, Leopoldo Bloom caminharia pela praia de Ipanema, Arcos da Lapa, Praça da Bandeira e pelo Maracanã, em um grande feito modernista da literatura tupiniquim. Seria Ulisses, então, uma façanha da cultura mundial (como, indubitavelmente é), mas consideravelmente mais acessível para nós, lusofônicos, tropicais e um tanto preguiçosos para a leitura rebuscada. Certo, não generalizemos! Seria mais acessível para mim, que tentei algumas vezes ler tal obra e não consegui atingir a pagina 50.

Por isso, quando resolvi ir para a Irlanda, não segui minha ideia inicial de aplacar uma nova tentativa e desvendar os segredos de Joyce e parti para uma tarefa aparentemente menos árdua: Escolher outro autor irlandês para me acompanhar na viagem.

Tal objetivo me trouxe uma outra questão, aparentemente insolúvel: Por que será que certas culturas produzem tantos mestres em determinadas áreas específicas? Por que será que Goya, Velásquez, Dali, Miro, Picasso são espanhóis e não lituanos? Há alguma razão para que aquela ponta leste da Alemanha/Áustria tenha produzido Brahms, Handel, Wagner, Beethoven, Bach, Mozart?! Por que Pele, Zico, Garrincha, Tostão e Ronaldos são Brasileiros? Paul, John, George, Ringo, Mick, Page, Plant são ingleses? E por que diabos a Irlanda, uma ilha verde e chuvosa, pariu essa quantidade insana de gigantes da literatura?

Francis Bacon, Bernard Shaw, Oscar Wilde, CS Lewis, Yeats, Bram Stocker, Edmund Burke, entre tantos outros, em diferentes épocas, de diversos modos são irlandeses e não só por terem nascido na ilha abençoada por São Patrício, mas por carregarem uma certa "Irlandidade" (numa infeliz adaptação do termo "Brasilidade" a la Nelson Rodrigues); um pessimismo e uma melancolia desesperançosa, talvez fruto da condição de dependência colonial, pobreza e opressão que a Irlanda sofreu durante boa parte de sua historia. É sabido, por exemplo, que Bram Stocker, ao escrever "Dracula" inspirou-se na grande fome de 1845 em uma metáfora da maneira que os proprietários de terras irlandeses tratavam os trabalhadores (Há, também quem diga que o próprio nome "Dracula" tenha vindo de uma adaptação de Stocker do termo "mau sangue" em irlandês "Droch Ola"). Há, também, o isolamento insular e o clima, quase sempre chuvoso e cinza, em contraste com os quarenta tons de verde de seus campos, somando-se a tudo isso, uma tradição de lendas e sagas herdada dos celtas e vikings.

O fato é que a tradição literária irlandesa é quase tão vasta quanto a sede de de seus habitantes por um copo de cerveja e, por isso, resolvi levar uma amostra quase aleatória: comprei o romance Molloy de Samuel Beckett de 1951. Após algumas páginas, já havia percebido que cometera um grande erro. Conhecia Beckett e ja havia lido e visto alguma de suas obras para o teatro; sempre apreciei seu sarcasmo existencial ("o maior delito do homem é nascer") em textos como "Esperando Godot" e "Fim de Partida", mas Molloy trouxe de volta toda aquela elocubração psicológica de trocas de personagens e monólogos interiores de Ulisses. Sim, tenho convicção da genialidade e importância da obra assim como a de Joyce, mas de novo, abandonei o livro após algumas paginas. Assim, passei alguns dias em Dublin, Cork, Kilkenny e outros lugarejos, tomei dezenas de pints de Guinness em Pubs centenários, ouvi musica celta tocada por velhos embriagados, visitei castelos e abadias, tudo isso acompanhado apenas por um livro de sodoku! Que viagem maravilhosa!
Agora, após alguns meses, no dia de São Patrício, revi as fotos da viagem e fiquei triste; triste e saudoso por não estar em um pub na Irlanda! Estava em São Paulo, sol, 28 graus. Peguei o exemplar de Molloy que ainda jazia intocado no fundo de minha mala. Li em uma tacada....


There's a dear little plant that grows in our isle,
Twas St. Patrick himself sure that set it;
And the sun on his labor with pleasure did smile,
And with dew from his eye often wet it.
It thrives through the bog, through the brake, and the
mireland;
And he called it the dear little shamrock of Ireland--
The sweet little shamrock, the dear little shamrock,
The sweet little, green little, shamrock of Ireland!


Green little Shamrock of Ireland